14 de abr. de 2009

CONSTRUÇÃO OU MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO?!

Coordenador do Fé e Alegria defende dissertação
sobre Noite dos Tambores Silenciosos
Por Tiago Cisneiros, no Boletim Unicap
Funcionário da Católica e atual coordenador do projeto Fé e Alegria, Luiz Justino Silva Junior, defendeu, nesta segunda-feira (13), a dissertação “Sobre a manifestação do sagrado na Noite dos Tambores Silenciosos”. O trabalho, que marca a conclusão do Mestrado em Ciências da Religião, foi aprovado com distinção.
Durante a defesa, Luiz Justino abordou, através de vídeo e slides, a realização da Noite dos Tambores Silenciosos do Recife, celebrada desde a década de 1960. Entre os pontos analisados na apresentação, estão a liturgia e os símbolos da cerimônia, as diferenças entre as versões mirim e adulta e a evolução do evento através do tempo. Foram discutidas, ainda, a importância da participação unificada das nações de maracatu e a recente ‘espetacularização’ da Noite dos Tambores Silenciosos.
Um dos principais pontos do trabalho é a junção do profano e do sagrado na Noite dos Tambores Silenciosos, contrariando o modelo de dualismo ocidental. Com o apoio de trechos escritos pelo historiador romeno Mircea Eliade, Luiz Justino desenvolveu a abordagem da construção do sagrado na realização da cerimônia.
Além de estudar a bibliografia sobre o tema, Luiz Justino participou, pessoalmente, da Noite dos Tambores Silenciosos de 2008, e entrevistou dez pessoas (pais-de-santo, mães-de-santo e funcionários da Prefeitura do Recife) ligadas à organização do evento. Essa metodologia de pesquisa, também, foi detalhada durante a defesa da dissertação.
A banca examinadora do trabalho foi formada pelos professores Gilbraz Aragão (orientador da dissertação e coordenador do Mestrado em Ciências da Religião da Católica), Sérgio Vasconcelos (docente do mestrado) e Severino Vicente, do curso de História da Universidade Federal de Pernambuco.
A história da Noite
Hoje organizada pela Prefeitura do Recife, como parte da programação do carnaval da cidade, a Noite dos Tambores Silenciosos acontece e existe há mais de cinco décadas, sempre na segunda-feira da festa .
Nos anos 1950, a celebração foi iniciada por Dona Santa, quando esta e o seu brinquedo (Maracatu Elefante) dançavam com a calunga Dona Emília, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em reverência a seus antepassados. Tudo acontecia de forma muito discreta, a ponto de os observadores externos não identificarem o verdadeiro significado da tocada do maracatu.
Após a morte de Dona Santa (1962), a celebração ficou sob a responsabilidade das “Tias do Terço”, mulheres negras que moravam no Pátio do Terço. A Noite dos Tambores Silenciosos tornou-se ainda mais discreto. “Não encontramos registros da participação dos maracatus e, segundo os depoimentos recolhidos, a celebração era realizada por um grupo de senhoras e de forma muito rápida”, explica Justino.
Em 1968, seis anos depois da morte de Dona Santa, a cerimônia foi transferida para o Pátio do Terço. “Nessa época, entrou em cena o jornalista Paulo Viana, que ressignificou a celebração. Ele traz de volta a participação dos maracatus e insere o teatro, com a encenação do poema “Lamento Negro”. Isso era uma forma de driblar a perseguição aos terreiros de candomblé em Pernambuco, dando um caráter folclórico ao evento”, explica Justino.
Segundo ele, muita literatura sobre o tema atribui a criação da celebração a Paulo Viana. “Isso não é de todo verdade. Ele, como assíduo frequentador da casa das Tias, assume e ressignifica o evento: dá o nome, coloca na mídia, mas não foi, de fato, quem começou”, ressalta.
Com a morte de Paulo Viana, o pai-de-santo Raminho de Oxossi assumiu o comando da Noite dos Tambores Silenciosos, função que exerce até hoje. Em 2000, foi criado, no Pátio do Terço (local da celebração desde 1968), o Polo Afro, um dos palcos do projeto de carnaval multicultural da cidade. “Depois dessa entrada da prefeitura, a visibilidade do evento redobrou. Agora, a cerimônia tem palco, jogo de luz, gelo seco...”, explica Justino, que completa: “Mas, muitos dos que estão ali não sabem o verdadeiro significado do evento. Poucos sabem o que se está celebrando”.
A cerimônia dos Tambores
“O que permanece nas quatro fases da Noite dos Tambores Silenciosos é a reverência aos antepassados”, destaca Luiz Justino. Esse simbolismo é o principal motivo para a manutenção do evento no Pátio do Terço. “É um lugar repleto de tradição: foi um gueto africano, a casa das Tias do Terço. Por isso, desistiram de mudar a festa para um local mais amplo”, observa o mestrando, que conta ter passado “aperto” quando participou da celebração, devido à quantidade de espectadores na celebração.
A Noite dos Tambores Silenciosos é realizada em duas etapas. Às dezoito horas, crianças – “herdeiras” dos grupos de maracatu – participam de uma cerimônia especial, cujo intuito é manter a tradição do evento. “Essa parte tem um caráter de ensinamento, uma preocupação em transmitir a história da Noite às próximas gerações”, explica Justino. À meia-noite, acontece o momento principal da festa, voltado para adultos e exclusivo para os grupos de maracatu tradicionais do Recife (aqueles que possuem vínculo com os terreiros de candomblé).

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