1 de set. de 2012

MARTINI E O CRISTIANISMO ABERTO

Faleceu ontem (31/08) o cardeal jesuíta Carlo Maria Martini, destaque entre os católicos progressistas. O último contraponto à doutrina oficial foi a recusa ao prolongamento artificial de sua própria vida. Era um religioso que se atrevia a pensar: criticou em 2008 a encíclica "Humanae Vitae" do papa Paulo VI, que rejeitava a contracepção, considerando que a Igreja se "afastou muito das pessoas". Considerava também que uma "evolução" no âmbito do celibato dos padres era possível, sem que a Igreja de Roma renunciasse inteiramente ao tema, o que teria "consequências mais negativas que positivas".

Amigo pessoal de João Paulo II, discordou dele em algumas questões, sobretudo morais. Trocou correspondência pública com o escritor ateu Umberto Eco, sobre a fé. Em 1999 "teve um sonho": convocar um novo Concílio, um Vaticano III, porque achava que o Vaticano II já estava obsoleto. Em 2007 afirmou que não realizaria a missa em latim, quando foi autorizada novamente pela Igreja sob o papado de Bento XVI. O cardeal também levantou objeções ao livro Jesus de Nazaré, do atual papa, e defendeu posições abertas com relação à bioética e à união de divorciados e de gays.

Ao mesmo tempo, foi um homem de Igreja, cultor da "Palavra de Deus", da meditação, da oração, da eucaristia. Martini nasceu em 1927, em Milão, na Itália. Entrou para a Companhia de Jesus em 1944 e foi ordenado presbítero em 1952. Formado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, em 1958, foi depois reitor desta Universidade. Desde 1962, foi também professor e diretor do Pontifício Instituto Bíblico, em Roma. Tornou-se arcebispo de Milão em 1979 e em 1983 foi nomeado cardeal pelo papa João Paulo II. Durante sua atuação no episcopado milanês, desenvolveu intensa atividade pastoral, muito especialmente no diálogo com a sociedade secularizada, os não crentes e as outras religiões.

Martini terminou sua vida em uma modesta acomodação na comunidade dos jesuítas em Gallarate, na Itália, onde no último dia 8 de agosto ainda declarou que a Igreja, em relação ao mundo, "está atrasada uns 200 anos e precisa se sacudir"."... Aconselho o papa e os bispos a procurar 12 pessoas fora de série para os postos de direção. Pessoas que estejam perto dos pobres e que estejam cercadas por jovens e que experimentam coisas novas. Precisamos do confronto com pessoas que ardem, de modo que o espírito possa se difundir por toda parte", reiterou.

Veja aqui a sua última entrevista.
Leia mais aqui, no artigo que Faustino Teixeira
escreveu quando o cardeal Martini se despediu de sua coluna no jornal.
E descubra aqui, com o Conselho Federal de Medicina, porque Martini dissentiu da posição
oficial da Igreja de Roma sobre bioética.

Um comentário:

  1. “O padre Karl Rahner usava de bom grado a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas. Onde estão as pessoas individuais cheias de generosidade como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são entusiastas como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria de Mágdala? (...) A Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Os escândalos da pedofilia nos levam a tomar um caminho de conversão. As questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas que envolvem o corpo são um exemplo disso. Estes são importantes para todos e, às vezes, talvez, são até importantes demais. Devemos nos perguntar se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia?” (Carlo Maria Martini, Diálogos Noturnos em Jerusalém: sobre o risco da fé, editado pela Paulus/PUC-RJ em 2008).

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