27 de nov. de 2009

VIAGEM ENTRE O BRASIL MÍTICO E A ÁFRICA IORUBÁ

Cláudia com o Primeiro Chief Menu Toyon II da cidade de Badagry, no Estado de Lagos, Nigéria, de quem recebeu o título de "Iyá Boekoh", que quer dizer "Mãe do quarteirão do rei".
Claudia Lima

Professora de História da África, escritora e pesquisadora,
Mestranda em Ciências da Religião da UNICAP.
Sobre a sua recente viagem à África:

Ao me preparar para a viagem tinha na cabeça que encontraria a língua iorubá insistente em sua permanência, diante desse mundo globalizado, nas áreas rurais do país da Nigéria. Espantosamente me deparo com um ‘inglês’ permeado por outra língua local, era o iorubá, falado em todos os cantos por onde eu passava, vivíssima, atuante nos mercados e em todos os recantos. Uma língua bravia, retumbante e viril.

Bem fiz em querer o nosso motorista apto na língua iorubá: logo em Lagos, cidade que há alguns anos era a capital da Nigéria, já se fez necessário. Éramos sempre em cinco pessoas, eu, Claudia Lima; meu marido e assessor José Marques Júnior; nosso motorista de etnia iorubá Akinlade Olalekan; Paula Chongo Oshowde; moçambicana casada com um nigeriano, apta ao português e ao inglês e Chinedu Obuekwe; nigeriano da etnia ibo, casado com uma brasileira e versado ao português, inglês, ibo e ao iorubá, em um jeep desses modernos, tração nas quatro rodas. Alcei vôo ao encontro da minha ancestralidade religiosa africana, o povo egba.

O imaginário construído nos terreiros de xangô e candomblés brasileiros, levaram-me ao encontro da Yorubaland, pelas precárias estradas dos Estados do sul da Nigéria, através de Lagos (capital Lagos), Ogun (capital Abeokuta), Osun (capital Osogbo), Oyó (capital Ibadan), territórios componentes do Antigo Império Iorubá...

Foi pouco o tempo, apenas dez dias, porém intensas as emoções e os locais visitados. Não adiantava uma turnê alucinada, era preciso um pouco de aprofundamento, a programação foi estudada na proporção da necessidade premente das minhas principais questões. Foi aí que a coisa começou a complicar. O que eu fui buscar se misturou a outras milhões de novas perguntas e inusitadas informações que, agora, fazem parte do meu universo de dúvidas e possibilidades.

Afinal, que África é essa que se descortinara diante de mim? Para além da grande pobreza e miséria, da falta de energia de todos os dias, dos grandes engarrafamentos e shows de buzinas, dos carros amassados pela falta de ordem no trânsito, abalroados pela ausência de semáforos, pelos gigantescos ninhos formados por grandes emaranhados de fios de eletricidade, dependurados em postes que um dia foram árvores centenárias... Para muito além de todo esse caos, me deparei com pessoas sorridentes, embelezadas pelas suas vestimentas cotidianas, vestes essas que fazem parte do meu universo religioso, fragmentos da minha fé recortados por tanta necessidade e corrupção.

É a realidade que vem de encontro às teorias e conceitos hermeticamente fechados, a realidade do dia-a-dia ao encontro das utopias de um Brasil mítico, que deita sua fé nas religiões afro-brasileiras. A religião de matriz iorubá brasileira foi reunida, recortada, reeditada, mas expressivamente (re)encontrada em cada rosto com que me deparei na Nigéria.

A fé sempre se estrutura por novos olhares e, novos olhares reencontram velhas tradições, fragmentos identificáveis pelo devir de quem vive e convive, há mais de trinta anos, nos xangôs e candomblés do Brasil.
...
Recife, Outubro de 2009.

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